Orelhadas sobre músicas, músicos e música

sexta-feira, 29 de julho de 2005

marcelo d2 [2003]


rapaz de bem

por Marcus Preto

O vocalista do Planet Hemp já não briga tanto com a polícia, fez as pazes com Caetano Veloso, acha importante levar o hip-hop para a “burguesia” e vai apresentar seu lado “pai de família” na MTV. Marcelo D2 está mudado?

Em 1997, Marcelo D2 passou 8 dias preso e até hoje responde a processos por apologia às drogas e formação de quadrilha. Isso tudo porque fala de maconha em suas músicas. Saiu da cadeia puto da vida. “Esses filhas da puta vão ver. Agora eu vou com mais sede ao pote”, ele jurou na época e não aliviou nadinha o teor das letras. Hoje, D2 garante: “A coisa tá bem mais leve com a polícia”. Mas será que ele também não está diferente?

batida perfeita
D2 anda todo feliz porque o disco que acabou de lançar, À Procura da Batida Perfeita, está agradando tanto aos rappers quanto aos sambistas: “A galera do hip-hop gostou porque coloquei uma parada nova no pedaço. Os sambistas, porque viram que meu trabalho respeita a história deles e tá tentando dar uma reciclada no samba”. Ele também se anima por estar abrindo a cabeça dos mais novos: “Muita molecada veio me dizer que achava samba meio babaca e agora, depois desse meu trabalho, tem olhado com mais respeito. Isso é maneiro pra caramba!”.

de família
Casado e com três filhos, D2 vai participar do programa “Família MTV”, versão nacional de “Os Osbournes”. O rebelde está assumindo seu lado “pai de família”? Ele conta como foi: “É um cara atrás de tu com a câmera o dia inteiro enchendo a porra do saco. Fico achando meio ridículo eu na televisão almoçando com a minha mulher. Mas as pessoas querem ver, né?”. Querem ver, ele mostra.

Falando na mulher, sua cara de bom moço aumenta ainda mais: “Sosseguei o facho legal. Preciso de uma companheira pra chorar no ombro. Ela me trouxe o clima de família grande. Não sei se é pro resto da vida, mas eu acho que vai durar bastante”.

Todo bonzinho, considera resolvida a briga pública com Caetano Veloso, iniciada em 2000, por ter dado o cano numa gravação marcada com o baiano. “Aquilo foi uma puta besteira, minha e dele. Não é meu amigo, mas também não é assim. A gente já se fala, tranqüilo”.

“Dasluzito”
Para completar, em abriu passado, D2 aceitou um convite para tocar na inauguração do estande da Mandi, dentro da Daslu, uma loja onde tudo é caríssimo, só para grã-finos de São Paulo. Eliana Tranchesi, proprietária da Daslu, chegou a comentar na imprensa: "Ele é refinado, um 'dasluzito' disfarçado!”. Ihhhh...

Diante disso tudo, uma pergunta é inevitável:

Marcelo D2 virou playboy?

Por que você aceitou o convite para fazer o show na Daslu?
Eu não tenho nenhum tipo de preconceito. Não deixo de tocar num lugar porque tem muito preto, muito branco, muito pobre ou muito rico. O que eu falo nas minhas músicas não é só pra pobre. Essa coisa de que todo preto é ladrão e todo playboy é racista é uma puta babaquice. Bom se todo mundo pudesse ser rico. O que faz as pessoas mesmo é a cabeça e o coração. Por isso, fui lá e toquei. Fui bem recebido pra caramba, assim como sou bem recebido em qualquer favela que eu vou. Foi um cachê alto, foi ótimo.

Por que você acha que sua música seria atraente a um público que paga mais de R$ 10 mil numa calça, por exemplo?
Dez mil numa calça? Então, meu cachê foi barato pra caralho! [rindo] Eu devo ter ganhado umas duas calças de cachê. Tem muita gente que não ganha isso na vida inteira! Então também foi um sacode nos caras, porque eu passo outros valores na minha música. Se não atingi a todos, se alguns só foram lá e dançaram, tudo bem. E é legal que os caras do rap estejam ligados com a galera que tem grana pra trazer dinheiro pro movimento. Nos Estados Unidos, o rap cresceu pra caramba porque tiveram pessoas qualificadas pro trabalho, não era só o cara do gueto.

Você é um playboy disfarçado?
Cara, eu gosto de me vestir bem, de andar com roupas maneiras. Sou vaidoso. Não sou playboy, não. Não gosto de gastar meu dinheiro com coisas fúteis. Se bem que não sei: se eu ganhasse 1 milhão por mês, comprava uma calça de 10 mil e não tava nem aí. O dinheiro é meu, vou guardar, levar pro caixão? Mas não sou playboy nem fodendo. Sou de família pobre, batalhador, trabalho desde os 14 anos, ralo pra caralho. Já fui porteiro, faxineiro, carpinteiro.

Mas agora você tem grana, pode virar playboy...
Eu teria que nascer de novo. Isso vem de família, de quem tem muita grana. Eu sou músico, sou suburbano. Quem vem do gueto, vai sempre carregar o gueto. Posso sair dele, mas ele vem no meu coração, na minha maneira de ver. O que muda? Antigamente o churrasco era feito numa churrasqueirinha de caminhão, com carne de segunda. Agora a carne é de primeira e é feita numa puta churrasqueira maneira. Mas eu continuo fazendo churrasco no fundo do quintal com a galera.


Marca dá sua versão da história

A Mandi não segmenta seu público por classe econômica ou cultural, mas por estilo. E estilo pode ser encontrado em qualquer universo, da periferia à classe alta. Ele liberta e quebra as diferenças. Nossa marca se identifica com o hip-hop porque na música [como no esporte] não existem classes sociais, sexo ou preconceito. Foi uma junção de dois mundos [Daslu x hip-hop] e, quando se faz isso, não se faz para agradar a todos. Fomos extremamente coerentes com nosso conceito. Queremos nos relacionar com esse mundo e sabemos que não podemos ser unanimidade, nem aceitos com simpatia por todos de imediato. Aceitamos críticas. [Marcelo Loureiro, dono da marca Mandi, que contratou o show de D2]


aspas

“Eu sou daqueles que levantam, gritam, batem na mesa. Quero que todo mundo aceite a minha opinião”

“Eu esperava um governo mais radical, mas eu entendo o Lula, porque o radicalismo já fez ele perder várias e várias eleições. É melhor que ele vá conquistando a confiança do povo aos poucos”

“Já tenho filho, já fui pra cadeia, já fiz um disco: não sou mais adolescente, virei adulto”

“Nunca deixei de colocar nada [nas letras] porque era muito pesado. Muito pelo contrário: às vezes eu coloco umas paradas ali que é de propósito pra arrepiar mesmo”

“No Rio, eu era revistado pela polícia direto. Eles vêem um cara com o meu biótipo, que é de favelado, num carro maneiro ou num táxi, mandavam parar”
[matéria publicada na revista Jovem Pan, em 2003]