nando reis [2003]
o número um
por Marcus Preto
Nando Reis lança A Letra A, seu primeiro disco depois de sair dos Titãs
O momento poderia ser delicado. Afinal, Nando Reis agora é só Nando Reis e pronto. Não é mais o baixista dos Titãs, não é mais o compositor de Cássia Eller. Essas perdas, no entanto, não fizeram sombra para a grandeza de A Letra A, que ele acaba de lançar, o melhor de seus discos até aqui.
Nando está melancólico como nunca antes, cantando com mais suavidade. Parece querer dizer que sabe que o mundo é cheio separações [voluntárias ou não], de rupturas - mas gosta de viver nele, muito além disso tudo. E que sabe domar tanta tristeza e torná-la útil. Não é para isso que existem as canções, afinal?
Essas músicas foram compostas antes ou depois de sua saída dos Titãs?
Foram compostas antes. As coisas nunca tiveram relação direta. A saída precipitou, em algum tempo, a gravação do disco. A coisa foi bem administrada: eu saí e fui preparar o disco da Cássia – o que me ocupou intensamente. Depois, viajei dois meses com meu show, até dezembro. Em janeiro, comecei a gravar. Quando fui procurar o repertório, percebi que o ano tinha sido atribuladíssimo e que eu tinha composto pouco. O que eu queria era, mais que mostrar uma nova safra de composições, mostrar aquilo que eu poderia e queria fazer como sonoridade. As músicas que eu tinha ali eram adequadas a isso. E não tendo mais que dividir meu tempo com a banda. Na verdade, eu queria um disco que mostrasse quem eu sou, e não o que aconteceu na minha vida. Tinha em mente que o que eu queria de verdade era gravar um disco onde todos tocássemos muito bem.
Os três anteriores já mostravam bem quem você é, não?
Mostravam, sempre me mostrei. Todos foram feitos da mesma maneira: um puta empenho, tentando mostrar quem eu era como compositor. O 12 de Janeiro era uma puta reação direta ao Titanomaquia. Era pra dizer: “Olha, eu não sou só esse cara aqui fica tentado imitar o Helmet”. O Para Quando o Arco-Íris encontrar o Pote de Ouro é um disco que tem um repertório diferente desse, composto entre 97 e 98 e só fui gravar em 2000. Ali, tinham músicas que eu sabia que eram representativas de um estágio onde eu estava cristalizando uma maneira de me estruturar como compositor. Por isso, é um disco mais calculado. Ele tem a intenção de montagem de repertório. O Infernal era um disco de reunião de músicas minhas que estavam espalhadas.
Era um show, não é?
Isso. Eu tinha feito o show do Para Quando... e tinha sido uma tremenda frustração: gastei uma grana pra montar o show e percebi que não tinha mercado pra ele. As pessoas não sabiam bem quem eu era, foram pouquíssimos shows. E eu gravei aquilo como registro, só fui lançar dois anos depois. A função daquilo era mostrar minha sonoridade. A Letra A é a minha possibilidade de tocar tudo isso. Me mostrar não só como compositor, mas como cara que tem uma sonoridade. Acho que o fato de eu assinar a produção diz da minha propriedade sobre tudo isso, da minha serenidade, calma, confiança. Sou mais velho, estou mais seguro de mim, e acho que isso se reflete no disco. E, na boa, mais sofrido. Embora feliz. Sou um cara alegre, doce, acho graça na vida, não fiquei deprimido. Mas, por outro lado, mais calmo, talvez.
Você está cantando mais docemente, é reflexo?
E acho que tô cantando mais grave. Tudo é reflexo. Eu nunca pensei muito. Tudo o que eu fiz durante esses anos - disperso, descobrindo - de alguma maneira foi revelando coisas que eu fazia intuitivamente, sem tomar tanto cuidado. Foram dando indicativos do que eu sou, do que gosto, das minhas limitações, das minhas qualidades. Eu tenho mais consciência disso agora, eu gosto mais disso. Gosto mais de quem eu sou. E quem não gosta do negócio, foda-se. Eu gosto até de que não gostem. Sou eu. Claro que sou esforçado, caprichoso. Eu sou perfeccionista. E meu perfeccionismo inclui a imperfeição, inclui o erro. Tem coisas assim nesse disco, tem vazamentos. Ser rigoroso não impede que eu seja humano. É claro que eu não sou o cantor mais afinado do mundo, são limitações. Mas acho que tem uma outra graça, eu não desgosto disso.
Você já falou de seu fascínio pela voz feminina. Depois do fim de uma parceria vitoriosa com Marisa Monte e com Cássia Eller, você ainda procura uma cantora para suas canções?
O fato de eu ter tido relações com duas vozes femininas tão significativas me faz prestar atenção nisso e até criar uma expectativa – o que pode ser ruim. Afinal, eu continuo aberto à idéia da voz feminina e não há essa voz. Eu não posso ter aberta uma vaga esperando por ela. Isso funciona pra emprego, não pra esse lugar. Tem coisas que não vou conseguir fazer de novo, infelizmente. Outras que nem quero. Eu, tendo saído de uma banda na qual fiquei 20 anos, não sei que tipo de parceria pode me interessar estabelecer. Tem muitas coisas que eu já fiz e não quero repetir. Uma delas é ter uma banda.
Os Titãs foram um longuíssimo casamento do qual deve ter sido difícil sair...
Durante algum tempo eu fui muito conciliador, evitei os conflitos. Isso gerou uma raiva, porque parecia que eu estava omitindo coisas. Eu sempre trabalhei com muita gente fora dos Titãs e esse espaço cresceu na minha vida. É difícil dividir isso num grupo, o que é compreensível. Ali, todo mundo tem o mesmo tamanho, já que não existe liderança. Eu demorei pra perceber que o que eu queria era expandir o meu tamanho. Por isso, eu não podia ficar mais dentro do grupo e disse não. Isso é sempre duro pra quem tá dentro, pois você nunca acredita que alguém possa ser maior do que o grupo.
Suas letras, cada vez mais, vêm nubladas com imagens enigmáticas que parecem fruto de um estado de inconsciência. Elas têm sentido claro para você?
Pra eu botar ela no final, tenho que estar absolutamente certo. Eu escrevo e reescrevo, sou bastante atento. Chega uma hora que a música tá pronta. Mas isso não quer dizer que eu não goste de deixar ali esse certo estágio de inconsciência que você detectou, que é bom e fértil pra criar. Há dezenas de imagens internas que podem parecer surreais, ambíguas, e que não são truques e têm um sentido formal para estarem presentes. Se minhas letras têm algo coloquial por um lado, por outro há um recorrente uso de imagem, com muito adjetivo.
Você já chegou a levá-las na psicanálise?
[rindo] Já, mas não vou falar isso aqui. [vale comparar com a resposta que Nando daria à mesma pergunta dois anos depois]
Essas músicas foram compostas antes ou depois de sua saída dos Titãs?
Foram compostas antes. As coisas nunca tiveram relação direta. A saída precipitou, em algum tempo, a gravação do disco. A coisa foi bem administrada: eu saí e fui preparar o disco da Cássia – o que me ocupou intensamente. Depois, viajei dois meses com meu show, até dezembro. Em janeiro, comecei a gravar. Quando fui procurar o repertório, percebi que o ano tinha sido atribuladíssimo e que eu tinha composto pouco. O que eu queria era, mais que mostrar uma nova safra de composições, mostrar aquilo que eu poderia e queria fazer como sonoridade. As músicas que eu tinha ali eram adequadas a isso. E não tendo mais que dividir meu tempo com a banda. Na verdade, eu queria um disco que mostrasse quem eu sou, e não o que aconteceu na minha vida. Tinha em mente que o que eu queria de verdade era gravar um disco onde todos tocássemos muito bem.
Os três anteriores já mostravam bem quem você é, não?
Mostravam, sempre me mostrei. Todos foram feitos da mesma maneira: um puta empenho, tentando mostrar quem eu era como compositor. O 12 de Janeiro era uma puta reação direta ao Titanomaquia. Era pra dizer: “Olha, eu não sou só esse cara aqui fica tentado imitar o Helmet”. O Para Quando o Arco-Íris encontrar o Pote de Ouro é um disco que tem um repertório diferente desse, composto entre 97 e 98 e só fui gravar em 2000. Ali, tinham músicas que eu sabia que eram representativas de um estágio onde eu estava cristalizando uma maneira de me estruturar como compositor. Por isso, é um disco mais calculado. Ele tem a intenção de montagem de repertório. O Infernal era um disco de reunião de músicas minhas que estavam espalhadas.
Era um show, não é?
Isso. Eu tinha feito o show do Para Quando... e tinha sido uma tremenda frustração: gastei uma grana pra montar o show e percebi que não tinha mercado pra ele. As pessoas não sabiam bem quem eu era, foram pouquíssimos shows. E eu gravei aquilo como registro, só fui lançar dois anos depois. A função daquilo era mostrar minha sonoridade. A Letra A é a minha possibilidade de tocar tudo isso. Me mostrar não só como compositor, mas como cara que tem uma sonoridade. Acho que o fato de eu assinar a produção diz da minha propriedade sobre tudo isso, da minha serenidade, calma, confiança. Sou mais velho, estou mais seguro de mim, e acho que isso se reflete no disco. E, na boa, mais sofrido. Embora feliz. Sou um cara alegre, doce, acho graça na vida, não fiquei deprimido. Mas, por outro lado, mais calmo, talvez.
Você está cantando mais docemente, é reflexo?
E acho que tô cantando mais grave. Tudo é reflexo. Eu nunca pensei muito. Tudo o que eu fiz durante esses anos - disperso, descobrindo - de alguma maneira foi revelando coisas que eu fazia intuitivamente, sem tomar tanto cuidado. Foram dando indicativos do que eu sou, do que gosto, das minhas limitações, das minhas qualidades. Eu tenho mais consciência disso agora, eu gosto mais disso. Gosto mais de quem eu sou. E quem não gosta do negócio, foda-se. Eu gosto até de que não gostem. Sou eu. Claro que sou esforçado, caprichoso. Eu sou perfeccionista. E meu perfeccionismo inclui a imperfeição, inclui o erro. Tem coisas assim nesse disco, tem vazamentos. Ser rigoroso não impede que eu seja humano. É claro que eu não sou o cantor mais afinado do mundo, são limitações. Mas acho que tem uma outra graça, eu não desgosto disso.
Você já falou de seu fascínio pela voz feminina. Depois do fim de uma parceria vitoriosa com Marisa Monte e com Cássia Eller, você ainda procura uma cantora para suas canções?
O fato de eu ter tido relações com duas vozes femininas tão significativas me faz prestar atenção nisso e até criar uma expectativa – o que pode ser ruim. Afinal, eu continuo aberto à idéia da voz feminina e não há essa voz. Eu não posso ter aberta uma vaga esperando por ela. Isso funciona pra emprego, não pra esse lugar. Tem coisas que não vou conseguir fazer de novo, infelizmente. Outras que nem quero. Eu, tendo saído de uma banda na qual fiquei 20 anos, não sei que tipo de parceria pode me interessar estabelecer. Tem muitas coisas que eu já fiz e não quero repetir. Uma delas é ter uma banda.
Os Titãs foram um longuíssimo casamento do qual deve ter sido difícil sair...
Durante algum tempo eu fui muito conciliador, evitei os conflitos. Isso gerou uma raiva, porque parecia que eu estava omitindo coisas. Eu sempre trabalhei com muita gente fora dos Titãs e esse espaço cresceu na minha vida. É difícil dividir isso num grupo, o que é compreensível. Ali, todo mundo tem o mesmo tamanho, já que não existe liderança. Eu demorei pra perceber que o que eu queria era expandir o meu tamanho. Por isso, eu não podia ficar mais dentro do grupo e disse não. Isso é sempre duro pra quem tá dentro, pois você nunca acredita que alguém possa ser maior do que o grupo.
Suas letras, cada vez mais, vêm nubladas com imagens enigmáticas que parecem fruto de um estado de inconsciência. Elas têm sentido claro para você?
Pra eu botar ela no final, tenho que estar absolutamente certo. Eu escrevo e reescrevo, sou bastante atento. Chega uma hora que a música tá pronta. Mas isso não quer dizer que eu não goste de deixar ali esse certo estágio de inconsciência que você detectou, que é bom e fértil pra criar. Há dezenas de imagens internas que podem parecer surreais, ambíguas, e que não são truques e têm um sentido formal para estarem presentes. Se minhas letras têm algo coloquial por um lado, por outro há um recorrente uso de imagem, com muito adjetivo.
Você já chegou a levá-las na psicanálise?
[rindo] Já, mas não vou falar isso aqui. [vale comparar com a resposta que Nando daria à mesma pergunta dois anos depois]
[entrevista publicada na revista Rock, em 2003]
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