Orelhadas sobre músicas, músicos e música

terça-feira, 16 de maio de 2006

bebel gilberto [2004]



simplesmente isabel

Filha de João Gilberto e Miúcha, sobrinha de Chico Buarque, Bebel Gilberto sempre carregou um fardo pesado: driblar as cobranças que sua linhagem impõe e se destacar no mundo e na vida. Conseguiu. Apesar de ainda fazer mais sucesso no exterior que no Brasil, ela tem sido cada vez mais lembrada por aqui. Criou uma identidade artística, inventou um estilo e virou referência para várias cantoras em início de carreira
por Marcus Preto

Este não é o segundo disco de Bebel Gilberto, mas é como se fosse. É que, depois que ela lançou, em 2000, o álbum Tanto Tempo, tudo mudou radicalmente em sua vida. Vendeu muito e ganhou os ouvidos do Brasil e do mundo.
Isso, claro, se refletiu em sua vida. Só a partir daí ela pôde deixar de ser "a filha de João Gilberto e Miúcha". Uma filiação dessas, convenhamos, é capaz de render problemas de personalidade para muitas sessões de psicanálise. Mas ela os resolveu. Sua música é sofisticada e agrada principalmente aos modernos e sofisticados. Mas os adolescentes acabaram de ganhar uma referência nova de sua pessoa: Bebel é personagem importante na história da vida de Cazuza, recém-contada no cinema. Tudo bem que no filme Cazuza - O Tempo Não Pára, um sucesso de bilheteria, Bebel é coadjuvante — vivida pela atriz Leandra Leal. Mas o espaço foi suficiente para que se percebesse sua importância na vida e — por que não? — na obra do compositor. De Nova York — onde nasceu e mora —, entre um show na França e outro em Londres, Bebel falou com a nossa reportagem

Por que tanta demora pra lançar um outro disco [batizado apenas Bebel Gilberto]?
Ah, quatro anos não é tanto tempo assim, vai... É que ainda estava acontecendo muita coisa com o CD anterior, Tanto Tempo. Ele foi disco de ouro na Inglaterra e isso teve um pouco de culpa, também. Mas o motivo principal foi outro: queria pensar menos no futuro e viver o que estava acontecendo no momento.

Aliás, foi o mundo que te revelou para o Brasil... Por que agora você deixou de ser só "a filha do João Gilberto" por aqui?
[rindo] Deixei de ser a filha do João Gilberto e virei a Leandra Leal [atriz que interpretava Bebel na cinebiografia de Cazuza].

Falando nisso, você viu o filme "Cazuza - O Tempo Não Pára"?
Não vi até agora, e todo mundo quer saber o que eu achei. Mas ninguém me mandou uma fita, ainda.

Você deve estar no mínimo curiosa...
A curiosidade até já passou, sabia? Mas as pessoas próximas me disseram que o filme é legal. É uma pena que nunca ninguém vai ver a história como ela realmente aconteceu. Aquilo ali é a visão da Lucinha [Araújo, mãe de Cazuza] e isso é muito restrito. O Cazuza tem muitas histórias, incontáveis histórias... Minha mãe foi ver o filme e eu perguntei: ‘E aí, mãe, você me viu?’ Ela respondeu: ‘Claro que não, Bebel. Eu vi foi a Leandra Leal.’ [rindo]

E o que mais disseram a você sobre o filme?
A coisa que mais me deixou maluca foi a Marieta [Severo] ter virado a Lucinha. Como assim? Ela é minha tia, minha segunda mãe! Como é que agora ela vira a mãe do Cazuza? Isso é muito louco na minha cabeça.

Sua relação com Cazuza foi bem intensa...
Nossa! Eu só segui o caminho que segui por causa dele. A primeira música que eu fiz foi com ele, Mais Feliz. Antes disso, só tinha feito uma musiquinha para o meu cachorro, de brincadeira. Depois, a gente fez Preciso Dizer que Te Amo e foi isso que me impulsionou. Ele foi meio que meu pai, nessa hora. Mas, por outro lado, eu me orgulho de ter ajudado a mostrar um lado muito suave da personalidade dele, uma leveza que ele tinha e ninguém sabia, ainda. Nossa, foi muito louco. Quando ele morreu eu decidi que ia embora do Brasil. E fui mesmo.

Foi. E tem planos de volta? Pretende morar de novo no Brasil?
Não tenho a menor idéia. Sou a pessoa mais imprevisível deste mundo. Estou fora há 14 anos, já. Mas posso me apaixonar de repente e querer morar aí para sempre. Como posso namorar o Brasil de longe, como faço agora. Afinal, sou dona do meu nariz, sou solteira, independente... Tudo pode acontecer.

Depois que você apareceu com seu trabalho, surgiram vários clones de Bebel Gilberto. Um monte de cantoras imitando...
[rindo] Sou suspeita para falar disso, eu acho.

Por quê?
Ah, existem vários jeitos de analisar essa situação. Você pode achar que estão te copiando, que você é a dona da bola, que pode tudo, que é um gênio. Ou, em vez de se sentir "roubada", você pode se sentir lisonjeada. E vou te dizer: por eu ter pais famosos, eu sempre tive que aturar aquela cobrança chatíssima, tinha que ‘provar’ coisas para os outros. E, agora, quando vejo que fui eu que inspirei um monte de gente... isso é o maior barato!

Foram as pistas de dança que revelaram você para o mundo?
Um pouco, sim. Mas existem vários outros fatores. Primeiro de tudo vem o fato de eu ser brasileira: o Brasil está na moda, não adianta querer negar. Depois, um pouquinho de talento é sempre bom, né? [rindo] E tem também a música do meu pai, que todo mundo ama. As pessoas aqui vão muito atrás do som ‘da filha do João Gilberto’.

Isso irrita você?
Não, de jeito nenhum. Mas já aconteceram coisas engraçadas. As pessoas confundem mesmo. Uma vez, um casal de velhinhos veio reclamar comigo no final do show, acredita?

Em uma música de seu novo disco, você diz que ‘somente com a dor eu te entendo melhor’. Isso pode ser aplicado à sua relação com seus pais?
Não. Essa música foi feita quando eu terminei uma relação amorosa.

Mas a dor [ou a distância, a saudade] não fez você entender melhor seus pais e sua história com eles?
Ah, claro! Meu pai esteve aqui para fazer shows e veio me visitar, passou a tarde aqui comigo. Estamos em contato. E com minha mãe também.

João Gilberto ouviu seu disco? O que ele achou?
Ouviu, sim, quando veio aqui em casa. Acho que ele gostou muito! [pensando um pouco melhor] Exagerei. Estou exagerando. Ele só gostou, eu acho. Não sei se muito, mas acho que gostou um pouco, sim.

A opinião dele mudaria alguma coisa a essa altura do campeonato?
Afetaria, mas não mudaria muita coisa, não. Opinião de pai sempre afeta um pouco, né? Ainda mais a do meu...


[entrevista publicada na revista QUEM em agosto de 2004]